Apesar de já ter pesquisado bastante e ter degustado muitos chocolates, eu queria aprofundar meus conhecimentos de degustação. Diferente de vinho e café, para chocolate existem poucas opções de cursos de degustação no mundo todo. Escolhi o Chocolate Tasting Course do International Institute of Chocolate and Cacao Tasting (IICCT, também chamado Chocolate Tasting Institute). São apenas alguns cursos por ano que acontecem em Londres e eventualmente em outros países. São 3 níveis, sendo que o terceiro acontece em uma plantação de cacau, que este ano será no Peru em julho (é a primeira edição do Level 3).

International Institute of Chocolate and Cacao Tasting (IICCT)

O IICCT é uma instituição formada por renomados experts em degustação de chocolates, chás e vinhos. Os fundadores são Martin Christy (da Seventy %, Londres), Monica Meschini (degustadora de chocolates, Itália) e Maricel Presilla (chef e autora do livro The New Taste of Chocolate, Estados Unidos). Todos fazem parte do juri do International Chocolate Awards, do qual Martin Christy é Awards Director e Head of the Grand Jury. Foi com ele que eu tive as aulas.

Martin Christy e Zelia FrangioniMartin Christy e Zelia Frangioni

Niveis 1 e 2 do Chocolate Tasting Course

Eu fiz os níveis 1 e 2 em Londres de 23 a 26/03/17.

O nível 1 é apenas 1 dia e o nível 2 são 3 dias. Foram 4 dias bem corridos, com aulas das 10:30 às 18:00, às vezes passando deste horário. O almoço é no próprio local e é o único rápido intervalo, ou seja, muita informação para ser absorvida em pouco tempo e, claro, muitos chocolates para degustar!

O nível 1 aborda a preparação sensorial para degustação, a percepção de aromas, os tipos e estilos de chocolates, aspectos básicos do cultivo do cacau e da fabricação do chocolate, citando o que pode dar errado em cada uma das etapas. É também uma introdução para as variedades e as diferentes origens do cacau, ambos fatores que influenciam diretamente no sabor do chocolate.

amostra de aroma
Uma das 8 amostras de aromas que são pontos chaves no nível 1

degustação de chocolate líquido
Avaliação de aroma de chocolate derretido

O nível 2 revê todos estes tópicos em maior profundidade, e inclui também aspectos do mercado do cacau e da história do chocolate. O foco principal do nível 2 é degustar e analisar chocolates de diferentes produtores, com diversos estilos, feitos com cacau fino de regiões distintas.

As degustações

Nos 4 dias, degustamos muitos chocolates, sempre em pedacinhos pequenos e com alto teor de cacau, procurando conhecer as diferenças de sabor e aroma das origens de cacau, bem como as qualidades e possíveis defeitos de processamento tanto dos grãos quanto do chocolate.

Não pense que provamos chocolates com recheios, chocolates ao leite, bombons e trufas. Não! O objetivo é conhecer o chocolate mesmo, que na sua melhor forma é feito apenas com cacau e açúcar, geralmente em concentrações próximas de 70% de cacau. Eu te garanto que a maioria não era amargo (leia mais sobre isso aqui). Em mais de 30 amostras, provamos apenas 2 ao leite e 1 branco. E nunca os mordemos, você só sente o sabor se deixar o chocolate derreter na boca. Algumas notas aparecem imediatamente, outras demoram um pouco mais, e você não vai percebê-las se mastigar o chocolate logo de cara.

As notas de aroma e sabor do chocolate podem variar de uma forma incrível de acordo com a origem do cacau, como já falei várias vezes aqui no blog. Você pode, por exemplo, provar um com notas frutadas e cítricas que te lembra um passeio no Ceasa, e em seguida outro com notas mais sutis de chocolate mesmo, creme e amêndoas (não são recheios, são sabores do próprio cacau). Isso é bem diferente dos chocolates comuns, encontrados em supermercados, que são aqueles com notas terrosas, amargas ou até queimadas, que geralmente nem podem ser sentidas por que as grandes empresas misturam cacau de várias origens e torram tudo junto, a ponto de queimar os grãos e propositalmente esconder as notas ruins. Aí é necessário acrescentar aromas para corrigir o sabor de queimado.

O processo de fazer chocolate do grão à barra envolve uma série de etapas, parte delas realizada logo após a colheita, ainda na fazenda, e outra na fábrica. Todas influenciam o resultado final e no curso aprendemos a identificar quando um chocolate não teve a fermentação bem feita ou houve erro na torra dos grãos ou problemas de temperagem ou estocagem. Isto quer dizer que também degustamos vários chocolates ruins, alguns com defeitos leves, quase imperceptíveis, e alguns com defeitos bem graves que era até difícil de engolir. Teve aluno que cuspiu!

As pessoas

O curso foi dado por Martin Christy, mas parte do nível 1 foi apresentado também pela Terese (ops, não guardei o sobrenome dela) que é ex-aluna do curso e entende bastante do assunto. Contamos com ela e também com a competente Beverley Kotey em toda a organização das amostras de chocolates, preparação das polentas (para limpar o paladar entre as degustações), supervisão dos testes e tudo o mais que acontece nos bastidores de um curso deste tipo. São elas de pé na foto abaixo.

Equipe Chocolate Tasting Course - Martin, Terese e Beverley

Os alunos  vieram de vários países diferentes, alguns apenas para nível 1, outros apenas para o 2, mas a grande maioria para os 4 dias. Tinha gente da Venezuela, da Arábia Saudita, da França, do Chile, do Canadá, da Irlanda, da Polônia, dos Estados Unidos e, claro, da Inglaterra. Do Brasil, somente eu. Alguns já trabalham no ramo do chocolate ou do cacau , outros são apaixonados por chocolate querendo conhecer melhor esse universo. Foi super interessante fazer parte de um grupo tão diversificado! E mais, após o curso fui colocada no grupo fechado do Facebook para os Chocolate Tasters certificados, onde podemos trocar informações. Amei!

O sistema de avaliação no Nível 2

Já foram identificados centenas de compostos aromáticos no cacau. Para começar a discussão, era preciso que todos tivesse bem claro na memória pelo menos 37 aromas, considerados os principais. E assim, cheiramos vários potinhos (alguns dos aromas vinham em mais de uma versão, como a madeira). Só depois começamos a degustar chocolates e analizá-los em termos de aroma, snap (o barulho que o chocolate faz ao ser quebrado, que indica a boa temperagem), sabor, sensação na boca, derretimento e textura. Também discutimos os defeitos devido a variedade, fermentação e secagem do cacau e defeitos relativos à torra, conchagem, temperagem ou armazenamento do chocolate.

amostras de aromas
Alguns dos 37 aromas que é necessário conhecer

Cada aluno usava seu computador ou tablet para preencheras notas de degustação de cada barra em formulários do IICCT na internet. Os resultados dos dados agrupados eram visualizados na lousa eletrônica e analisados pelo grupo.  O uso desta tecnologia ajudou muito na compreensão do assunto. Mesmo fora do âmbito do curso, é um sistema super interessante de analisar e registrar os chocolates, já que ele alimenta um banco de dados que pode ser usado para ajudar na escolha de chocolates de determinado perfil aromático.

 

Flavor Profile - chocolate 70%
O sistema de Flavour Profile da Seventy Percent no meu ipad.

Flavor Profile - Martin Christy
O resultado do Flavour Profile na lousa eletrônica.

 

O interessante foi confirmar o que eu já sabia: a cultura e a origem da pessoa influi completamente na sua capacidade de degustar um chocolate (ou qualquer outro alimento). Se você cresceu comendo uma diversidade grande de alimentos e temperos, vai ter um repertório muito maior para detectar as notas de sabor do que alguém que comia sempre as mesmas coisas, ou tinha uma alimentação com menos especiarias, mais suave. Então eu entendo porque eu tenho facilidade em detectar alguns aromas e muita dificuldade em outros, que são aqueles que não fizeram parte da minha história. Aliás, dos 37 aromas que cheiramos tinha uns 3 que eu nunca tinha visto. E tinha frutas que para mim são comuns, a moça na minha frente não conhecia.

Conclusão

Valeu muito a pena todo o esforço e entendi que ele não acaba aqui. É preciso degustar muitos chocolates diferentes para ter o paladar bem treinado e, infelizmente, isso não é fácil por aqui. O Brasil não tem muitas opções, já que ainda é difícil comprar chocolates feitos com cacau fino de diferentes origens. Ninguém vai treinar o paladar degustando somente chocolate feito com cacau da Bahia ou do Pará. É preciso treinar na diversidade. Então, mãos à obra, vou treinar um pouquinho por dia, e, aos poucos vou contanto tudo para vocês aqui.

Se você tiver interesse em fazer o curso, consulte o site Chocolate Tasting Institute.

Atualização em 25/5/17: Ah, me esqueci de falar que tanto o nível 1 quanto o nível 2 tem uma prova no final. No 2, além dos testes, tem também uma prova de degustação às cegas para identificar de onde vem o cacau daqueles chocolates. O resultado da prova só recebi agora. Passei. Ufa!

certificado IICCT

 

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