Recentemente tive a oportunidade de visitar 5 fazendas de cacau na região de Ilhéus, na Bahia, e ver de perto as plantações e as instalações onde são feitas as etapas de fermentação e secagem dos grãos. Em uma delas vi também a fabricação do chocolate.

Eu já tinha lido muito sobre as fazendas de cacau e assistido a vários vídeos, mas nunca tinha pisado numa fazenda desse tipo. Absurdo, né? Escrevo desde 2014 sobre chocolates e meu único contato com cacau, o fruto, tinha sido no ano passado quando a Arcelia Gallardo da Mission Chocolate me deu um cacau que ela comprou no Pão de Açúcar aqui em São Paulo. Hahahaha! Claro que ele não estava fresco e a polpa já estava meio ressecada, mas eu fiquei toda contente de tê-lo em mãos. Desta vez, fiquei muito mais contente! Que delícia a polpa do cacau!

 

vale potumuju cacau
Cacau fresquinho colhido no pé de cacau da Vale Potumujú

Fazenda Leolinda de João Tavares - variedades de cacau
Cacau que provamos na Fazenda Leolinda

 

As fazendas

Fui para Ilhéus para conhecer o principal festival brasileiro de chocolate, o Chocolat Bahia que aconteceu no final de julho. Lá, fui convidada para conhecer as seguintes fazendas de cacau:

 

Lajedo do Ouro - Pedro Magalhães e Zelia
Eu e o Pedro na sala onde são fabricados os chocolates da Var, na própria fazenda.

Fazenda Lajedo do Ouro, de Pedro Magalhães Neto e seu pai, que fica em Ibirataia, a 139 km* de Ilhéus. Eles produzem o cacau para várias marcas de chocolates, e também produzem lá mesmo o seu próprio chocolate que sai com a marca Var Chocolates.

 

Fazenda Bonança - Rogerio Kamei e Zelia
Eu, o Rogério e as variedades de cacau que ele tem lá.

Fazenda Bonança de Rogério Kamei, que fica em Itacaré, a 72 km* de Ilhéus. Eles também vendem cacau para outras marcas, mas o foco principal do Rogério é sua fábrica de chocolates em São Paulo, a Mestiço Chocolates.

 

Fazenda Leolinda - João Tavares e Zelia
Eu e João Tavares. Repare nos cochos de cacau atrás de nós: eles são redondos, diferentes do comum.

Fazenda Leolinda de João Tavares, que fica em Uruçuca, a 50 km* de Ilhéus. João Tavares não faz chocolates, mas seus grãos de cacau já foram premiados no Salon du Chocolat de Paris (2011) e estão presentes em importantes chocolates nacionais e estrangeiros.

 

visita a Fazenda Sagarana
Clay Gordon, Juliana e Tuta (da Vale Potumujú), Regina (da Sagarana), Bruna (da Jaf Inox), eu e Henrique (Sagarana) na linda vista da fazenda

Fazenda Sagarana de Henrique Almeida, que fica em Coaraci, a 80 km* de Ilhéus. Ele também produz o cacau para várias marcas e para sua marca própria, a Fazenda Sagarana Chocolate de Origem. A marca francesa Chocolat Bonnat tem uma barra com o cacau da Sagarana.

 

Vale Potumuju Tuta, Juliana e zelia
Eu, Tuta e Juliana no meio da plantação de cacau, naqueles minutos em que a chuva deu uma trégua.

Vale Potumujú (também chamada Fazenda Santa Rita), de Juliana e Tuta Aquino, que fica em Arataca, a 100 km* de Ilhéus. Eles vendem seus grãos aqui e no exterior e também estão lançando seu chocolate, o Baianí, com produção em São Paulo. Lá fiquei hospedada 2 dias, pude ver tudo com mais detalhes e conversar bastante sobre o mundo do cacau e do chocolate bahiano.

*As distâncias entre Ilhéus e as fazendas não são exatas, tirei do Google Maps.

Em cada uma destas fazendas, pude aprender um pouco mais sobre cacau e como é o processo pós-colheita que transforma os frutos em grãos de aroma e sabor especiais.

Lajedo do Ouro - Zelia e Clay Gordon
Clay Gordon e eu na Fazenda Lajedo do Ouro.

Tanto na Lajedo do Ouro quanto na Sagarana, também foi convidado o Clay Gordon, da The Chocolate Life, consultor e especialista em cacau e chocolates, o que tornou as visitas ainda mais ricas para o meu aprendizado. Prestei atenção às dicas que ele deu para o Pedro (da Lajedo) e o Henrique (da Sagarana) e também à tudo que eles explicaram para o Clay sobre as particularidades de suas fazendas. Clay gentilmente tirou um montão de dúvidas minhas que iam surgindo enquanto eu estava lá.


O cacau

O cacaueiro é uma planta não cresce em qualquer lugar. Ela precisa de calor e umidade, por isso sua zona ideal de cultivo fica 20º acima e abaixo da linha do equador, que inclui o nordeste e o norte do Brasil, além de outros os países da América dos Sul e América Central, alguns países da África e também da Ásia. Europa e América do Norte não cultivam cacau.

 

mapa do cacau

 

Existem várias variedades de cacau. Pense em banana: tem a prata, a nanica, a da terra e várias outras. Tem as mais saborosas e as menos saborosas. Tem aquelas que resistem bem às pragas e as que são mais frágeis. O cacau é a mesma coisa. Uma forma simplificada seria dizer que existem 3 variedades principais: Criollo, Forasteiro e Trinitário, sendo este último uma mistura genética dos dois primeiros. Mas não é tão simples assim, pois outras variedades já foram identificadas e, nas centenas de anos que o cacau existe, muita mistura entre elas já foi feita pela própria natureza e pela mão humana. Agora, com ajuda do mapeamento genético, as coisas vão se esclarecendo. Eu só contei tudo isso para dizer que em uma fazenda geralmente existe mais de uma variedade de cacau. Algumas fazendas separam áreas com variedades diferentes, outras não. Eu pude notar isso, mas fui em uma época em que as colheitas já tinham acabado e restavam poucos frutos nas árvores, só aqueles que ainda estavam verdes ou em crescimento. Fico imaginando como deve ser lindo nas vésperas da colheita….

 

Lajedo do Ouro - baby cacau
Baby cacau, olha que pequenininho!

Lajedo do Ouro - cacaueiro
Cacaueiro cheio!

 

O cacau precisa de sombra e umidade, e aqui no Brasil ele é plantado no meio da mata atlântica nativa. Esse sistema de cultivo tem o nome de cabruca. Então, não é como uma plantação de laranjas, onde você vê só o mesmo tipo de árvores. Os cacaueiros estão espalhados, muitas vezes de forma bem ordenada (de 3 em 3 metros), no meio da vegetação nativa, rodeado por diferentes espécies.

 

vale potumuju mata atlantica
A quantidade de espécies é incrível (o fundo branco era a chuva forte!)

vale potumuju mata atlantica
E o cacau cresce assim na cabruca, no meio de árvores imensas (essa é a Juliana Aquino)

 

Para quem não conhece o processo de fabricação de chocolate, uma rápida explicação sobre a parte que acontece antes do cacau sair das fazendas:

Colheita e retirada da polpa

O cacau é colhido, aberto e seu “miolo”, a polpa com as sementes, é separado da grossa e pesada casca. Isso acontece ali mesmo no meio da plantação, e a pilha de cascas restante acaba se decompondo com o tempo e adubando aquela área.

Fermentação

Logo que entra em contato com o ar, a polpa começa um processo natural de fermentação, por isso aquele monte de polpa é levado logo para os cochos de fermentação onde ficam de 5 a 7 dias, sendo que deve ser movimentado em determinados momentos deste período. É uma etapa super importante para o desenvolvimento do sabor e é cheia de detalhes técnicos. Quando bem feita, resulta em grãos com combinação ideal de sabor, baixo amargor, acidez e adstringência (aquela sensação de secura na boca como caqui verde).

 

Fazenda Sagarana
Cocho de fermentação da Sagarana, coberto com folhas de bananeiras.

visita a Fazenda Sagarana
O cacau na hora de sair do cocho e ir para a barcaça na Sagarana

 

Vale Potumuju - cochos de cacau
Cocho de fermentação da Vale Potumujú, coberto com folhas de bananeiras.

Vale Potumuju - cochos de cacau
“O vira” é a transferência do cacau de um cocho para outro, para movimentar o cacau e continuar a fermentação de forma apropriada.

Secagem

Depois destes dias no cocho, a polpa já desapareceu, os grãos ficam molhados e precisam secar lentamente, de dentro para fora. O local para isso é a barcaça, um espaço aberto onde os grãos são espalhados, com uma cobertura móvel. É necessário que possam ficar protegidos do sol muito forte (para evitar que sequem muito rápido) e das chuvas. Estufas também podem ser usadas para complementar este processo. Depois de secos, os grãos são ensacados e enviados para as fábricas de chocolates onde acontecem as outras etapas.

Nestas visitas ao redor de Ilhéus, conheci tanto os métodos tradicionais quanto as novas tecnologias. Tem quem use os cochos de fermentação tradicionais, quadrados ou retangulares, e o que me pareceu novidade comparado com tudo que eu já li, são os cochos redondos da Fazenda Leolinda.

Em termos de barcaças, vi as tradicionais e 2 formatos diferentes, o sistema telado na Fazenda Leolinda e as estufas com gavetas teladas do Vale Potumujú.

 

Fazenda Bonança
Essa é uma das 7 barcaças da Fazenda Bonança. Repare no telhado ao fundo, ele é móvel e pode ser puxado para cobrir a barcaça com o cacau que está secando.

Fazenda Sagarana - Valdir pisando o cacau
No método tradicional, o cacau é pisado para parar a fermentação.
Aqui o Valdir da Sagarana mostrou para a gente como ele faz isso. Para ver mais detalhes, assista a esse vídeo.

Vale Potumuju - secador de cacau
Aqui a tradicional cobertura cedeu lugar à estufa e a barcaça recebeu gavetas teladas embaixo dela. O cacau fica 2 horas no sol e depois é recolhido para baixo da barcaça, assim a secagem é bem lenta como precisa ser. É a tecnologia usada na Vale Potumujú.

 

As pessoas

Não dá para fazer nada disso sozinho. Então, as fazendas de cacau precisam contar com pessoas, trabalhadores que muitas vezes moram lá mesmo e que estão acostumados com o cultivo do cacau, a fermentação e a secagem. Fiquei surpresa com a quantidade de casas na Fazenda Bonança. É uma mini cidade! Tanto ela quanto a Vale Potumujú tem até escola dentro da fazenda para as crianças, com professores da rede pública.

 

Fazenda Bonança
Fazenda Bonança

Vale Potumuju
Vale Potumujú

 

Outra coisa que chama a atenção em todas as fazendas é a vista. Cada uma com suas características, mas é tudo tão grande e vasto, sempre cercado de matas e montanhas.

Visitar fazendas de cacau é uma experiência incrível que recomendo a todos que tiverem interesse em conhecer melhor o mundo do chocolate.

Ah! E se você for a esta região, não deixe de visitar o restaurante Beija Flor, perto da Lajedo do Ouro. Excelente comida feita com ingredientes do local. O Pedro nos levou lá, fomos atendidos pelo Juscelino, o dono e chef, e o Clay saiu dizendo que foi o melhor restaurante que ele já comeu em toda a América Latina!

 

restaurante Beija Flor

restaurante Beija Flor

 

Obrigada!!! A todos os meus anfitriões, pelos convites, pela atenção com que me receberam e me explicaram tudo! À Juliana e ao Tuta por abrirem as portas de sua casa para mim. E ao Clay Gordon, pela paciência com meu milhão de perguntas!

Agora eu sei de verdade o que é uma fazenda de cacau!!!

Veja mais fotos destas visitas no meu Instagram: Lajedo do Ouro, Leolinda, Bonança, Sagarana e Vale Potumujú.

 

 

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