Você já deve ter ouvido falar nas acusações de terríveis condições de trabalho, inclusive infantil, em fazendas de algumas regiões da África, que produzem cacau para as grandes multi-nacionais do chocolate. Condições de trabalho degradantes não são exclusividade da África nem das fazendas de cacau. Infelizmente, acontece também em outras regiões do mundo, em outras lavouras e mesmo na indústria. Mas nosso assunto aqui é chocolate, que é feito de cacau, portanto temos que prestar atenção ao que acontece no setor e principalmente no nosso país. Acredito que ninguém quer comer um chocolate que para ser produzido tenha causado dor para alguém na cadeia produtiva ou tenha tirado de uma criança a oportunidade de estudar e brincar.

O FCCI – Fine Cacao and Chocolate Institute, fundado e dirigido pela dra. Carla Martin, antropóloga e professora da Universidade Harvard, tem o objetivo de pesquisar, divulgar informações e promover cacau fino e o chocolate fino (de origem, bean to bar e de qualidade) com foco na ética e sustentabilidade social e ambiental da cadeia produtiva.

O FCCI acaba de lançar um post em seu blog (na verdade o primeiro de uma série) sobre a situação do trabalho nas fazendas de cacau no Brasil, baseado em pesquisas recentes realizadas no país (o Relatório da Organização Internacional do Trabalho / Ministério Público do Trabalho e o documentário Rota do Cacau).

Leia o post original do FCCI em : Why is FCCI engaging research on labor in cacao production in Brazil? Abaixo você encontra a versão em português desse post.

 

Repare que:

  1. Assim como há relatos de casos gravíssimos que devem ser denunciados e solucionados, há relatos de pessoas se esforçando para fazer a coisa certa por aqui, em fazendas que atendem à legislação trabalhista brasileira
  2. Haverá um evento sobre o assunto em Boston, na Harvard University, no dia 24 de abril das 20h às 21:30h (horário de Brasília), e será transmitido ao vivo pela internet, conforme explicado no post do FCCI. Sugiro que interessados o assistam.

Acompanhe também o trabalho do FCCI no site deles, no Instagram, no Twitter e no Facebook.

Acredito que o assunto é importante, complexo e merece atenção da nossa parte, consumidores, e de pequenos e médios fabricantes de chocolates, que geralmente estão longe das regiões produtoras de cacau e não tem ideia do que acontece por lá. Na esperança de que se comece um movimento na direção de condições mais justas de trabalho na produção do cacau, publico aqui o post do FCCI.

 

Post publicado originalmente em 17/4/19 no site do FCCI

Por que o FCCI está realizando pesquisas sobre o trabalho na produção de cacau no Brasil?

Parte 1 de uma série de posts no blog. Os links atualizados para as postagens adicionais serão adicionados à medida que forem disponibilizados.

Em dezembro de 2018, soubemos de um relatório da Organização Internacional do Trabalho / Ministério Público do Trabalho (OIT / MPT) que confirmou casos de condições análogas à escravidão e ao trabalho infantil na produção de cacau em certas áreas do Brasil. Como uma organização comprometida com a abolição da escravidão, lemos o relatório e assistimos ao referido documentário com preocupação. Os casos descritos são graves. Eles não parecem refletir a maioria das práticas de produção de cacau no Brasil. Mas eles refletem parte de um problema estrutural mais amplo ao longo da produção agrícola no Brasil e no mundo. Condenamos veementemente esses abusos dos direitos humanos. Sabemos também que nossos colegas em todo o Brasil estão trabalhando incansavelmente para construir uma cadeia de suprimentos robusta e vibrante, focada na responsabilidade social e ambiental, diretamente em oposição a esses tipos de violações dos direitos humanos.

Nossos objetivos

Iniciamos um período de reflexão durante o qual consideramos cuidadosamente nossa responsabilidade de reconhecer a pesquisa, entender seu contexto e responder. Nós buscamos informações adicionais com nossos colegas acadêmicos que estudam o Brasil, trabalham no setor do cacau e trabalham na produção brasileira de cacau. Coletamos informações e recursos para nos apoiar nos seguintes objetivos:

1.     Compreender a realidade, as causas e os fatores de risco da situação no Brasil.

2.     Contextualizar a situação em relação à produção de cacau globalmente.

3.     Definir ações potenciais que a comunidade de cacau e chocolate pode tomar para lidar com a situação.

Para aqueles que conhecem o trabalho do FCCI e aqueles que não o conhecem, estamos lançando uma série de respostas a perguntas frequentes em nosso blog nesta semana para oferecer uma narrativa clara e de educação pública sobre essa situação.

Seleção de filmes e discussão em 24 de abril de 2019

Enquanto conduzíamos nossa própria investigação, iniciamos uma conversa com a jornalista que supervisionou a pesquisa, Marques Casara, da unidade de pesquisa baseada nos direitos humanos Papel Social. Casara e sua colega de equipe, Poliana Dallabrida, compartilharam suas pesquisas conosco e responderam muitas de nossas perguntas sobre o trabalho deles. Eles então concordaram generosamente em viajar para Boston, juntamente com Maria Claudia Falcão, da Organização Internacional do Trabalho, e Patrícia de Mello Sanfelice, do Ministério Público do Trabalho, para continuar nossa conversa. Este encontro apresenta uma oportunidade única para discutir este relatório em um ambiente acadêmico, fornecer um espaço para perguntas e respostas e destacar alguns dos excelentes trabalhos que estão sendo feitos por nossos colegas no Brasil hoje para reformar a cadeia de suprimentos do cacau ao chocolate.

Na quarta-feira, 24 de abril, faremos uma exibição de filme e discussão com esses quatro convidados como parte da aula que nossa diretora executiva ministra na Universidade de Harvard, “Chocolate, Cultura e a Política dos Alimentos”. Para complementar nosso foco na realidade da situação trabalhista no Brasil, serviremos chocolate da Gutzeit Chocolates produzido com cacau de uma das fazendas, Fazenda Panorama, citada pelo relatório como um exemplo de práticas trabalhistas transparentes em ação. Contribuições adicionais de chocolate e comentários vêm de outras partes interessadas no Brasil. Este evento será transmitido ao vivo e arquivado para visualização futura.

O FCCI dedica-se a identificar, desenvolver e promover o cacau fino e o chocolate. Um elemento-chave de nossa missão é criar oportunidades de compartilhamento de conhecimento e compreensão mútua em toda a cadeia de suprimento de cacau e chocolate, e o evento planejado da próxima semana visa fazer exatamente isso.

Por que o FCCI está engajado nesta pesquisa?

Por mais que a qualidade do cacau e do chocolate brasileiros e os esforços de instituições em todo o Brasil sejam bem-sucedidos diante de muitos desafios, o relatório de dezembro de 2018 indica que ainda existe uma necessidade de mudança social tanto quanto uma necessidade de capacidade institucional para estudar e apoiar esta mudança. Isto é verdade para o cacau e o sistema agrícola global, ambos os quais continuam a ser um local de muitos abusos dos direitos humanos. Nossa própria casa, os Estados Unidos, não está isenta disso, e também seguimos desenvolvimentos aqui de perto para fins comparativos. Os abusos trabalhistas documentados no relatório parecem primariamente distantes do trabalho do setor de cacau e chocolate fino no Brasil; no entanto, eles colocam toda a indústria em risco, tanto do ponto de vista de reputacional como ético.

Isso exige mais educação, comunicação e ação.

Nossa experiência coletiva no FCCI inclui trabalho agrícola, escravidão histórica e moderna, estudos africanos e afro-americanos e o mundo lusófono. Esse conhecimento informa a nossa abordagem para esta questão. Os membros das comunidades acadêmicas, políticas e de defesa especializadas nessas questões foram convidados a participar do público no evento. Ao longo da próxima semana, compartilharemos recursos por meio de nosso blog, que apoiará a discussão detalhada e esclarecida sobre as questões trabalhistas no setor do cacau.

Nosso trabalho exige que abordemos a realidade factual da indústria de cacau e chocolate. Acreditamos que devemos defender a ética e os direitos humanos ao mesmo tempo em que promovemos a qualidade do cacau e do chocolate. Negar a realidade da situação do trabalho no Brasil, não importando seu escopo ou escala, é insustentável e inconcebível. Também reconhecemos que, ao abordar diretamente essa questão, enfrentamos a controvérsia, a política e as intensas emoções inerentes a assuntos perigosos e deploráveis, como a escravidão.

A reação de nossos colegas no Brasil foi dividida – muitos aclamam essa conversa, mas alguns têm críticas que desejam compartilhar sobre esse relatório, e alguns estão compreensivelmente desconfortáveis ​​com o risco que isso representa para a imagem de seu país e para seus negócios. Sabemos, a partir de anos de estudo, que deixar um relatório como o da OIT / MPT, solto sem ser avaliado e discutido, não é uma opção. Educação e comunicação claras e informadas são urgentemente necessárias.

Na verdade, assistimos a uma situação semelhante no setor cafeeiro brasileiro a partir do verão de 2013, e participamos da resposta da indústria de café especial para essa situação em 2016. (Veja os links relacionados abaixo). Por tratar ativamente da questão, trabalhando com experientes participantes para entender e narrar a situação, a indústria do café pôde começar a abordar a questão.

Esperamos que a comunidade de profissionais e amantes do chocolate acompanhe a próxima semana com a mente aberta, determinada a encarar essa realidade com honestidade, transparência e prontidão para efetuar mudanças. Convidamos você a se unir a nós para entender melhor o cacau e o trabalho no Brasil e abordar os abusos de direitos humanos documentados por este relatório.

Postscript: Nosso compromisso com o Brasil

Nos três anos desde que o FCCI foi fundado, tivemos o grande privilégio de trabalhar em apoio à vitalidade rural e renascimento do cacau no Brasil.

Primeiro, na primavera de 2016, apoiamos a resposta da indústria do café a uma situação semelhante de trabalho escravo na cadeia de suprimentos de café brasileira. Isso culminou em uma palestra proferida por nossa Diretora Executiva no Re: co Symposium em Atlanta, Geórgia.

Em julho de 2016, realizamos uma aula intensiva do FCCI Cacao Grader no Festival Internacional de Cacau e Chocolate em Ilhéus, Bahia, Brasil, com a participação de representantes da of CEPLACInstituto Cabruca, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano, Universidade Estadual do Sudoeste. da Bahia, a Universidade da Amazônia e mais de uma dúzia de empresas de cacau e chocolate.

Desde então, os membros da nossa equipe viajaram ao Brasil mais três vezes: primeiro, para participar do Perfect Daily Grind  Micro-Coffee Festival, ao lado do World Cocoa Foundation Partnership Meeting  como parte de seu programa Innovation Marketplace, e depois para oferecer Curso Intensivo de Cacau Grader em parceria com Dengo em São Paulo.

Continuamos nosso relacionamento com muitos membros da  Associação Bean to Bar Brasil, promovemos o trabalho de pesquisadores de universidades brasileiras e do inspirador CIC – Centro de Inovação do Cacau, apoiamos o Instituto Arapyaú  e muitos acadêmicos emergentes em seu trabalho para entender melhor a indústria de cacau e chocolate fino, e até mesmo fomos entrevistados por jornalistas brasileiros sobre nossos próprios projetos.

Da mesma forma, hospedamos especialistas em cacau e chocolate brasileiros em nossos eventos nos Estados Unidos e incluímos produtos brasileiros de cacau e chocolate em vários de nossos cursos ministrados em todo o mundo.

Temos, em cada passo desta jornada, testemunhado em primeira mão o compromisso com a qualidade e a sustentabilidade que existe no setor de cacau e chocolate fino brasileiro e o incrível potencial que ele possui para o futuro. Resumindo: o Brasil é um dos países mais empolgantes no atual universo cacau-chocolate e devemos apoiar coletivamente seu sucesso futuro.

Recursos

Leia o relatório da OIT / MPT sobre o trabalho na produção de cacau no original em português e em inglês. Assista ao documentário original em português e ao trailer do documentário com legendas em inglês.

Para saber mais sobre a resposta da indústria de cafés especiais aos relatos de violações de direitos humanos no setor cafeeiro do Brasil, leia a série de publicações do Catholic Relief Services “Modern Slavery in the Coffeelands” e assista ao painel Re: co Symposium da Specialty Coffee Association sobre o tópico:


As opiniões expressas neste post do blog são de seus autores. Eles não refletem necessariamente as opiniões dos jornalistas, criadores de políticas, empresas ou organizações mencionadas neste post.

 

Leia os demais posts desta série do FCCI em português aqui ou os originais em inglês aqui.