Carnaval acabou, a Páscoa está a caminho e os ovos já começaram a chegar nas prateleiras. Você vai tomar um susto. Os preços estão bem mais altos e isso não vai valer apenas para a principal data do mercado dos chocolates. Vai valer para todo tipo de chocolate daqui para frente, por muitos meses ou talvez anos. Alguns dizem que chocolate vai chegar a virar artigo de luxo, devido a escassez. Não sei bem se vai chegar a tudo isso (espero que não!), mas vou explicar o que está acontecendo.

Vários fatores influenciam o preço do chocolate. O mais óbvio e que está na cara é a inflação. Não é só o chocolate que sobe, tudo sobe.

Acontece que tem um fator relevante passando com o cacau neste momento. Chocolate é feito de cacau, que é um fruto que não nasce em qualquer lugar. São poucos países no mundo que cultivam cacau. Olha essa faixa verde no mapa abaixo. Só nela existe clima tropical, quente e úmido, adequado para o cacau crescer.

Mas não são todos os países dessa faixa que se dedicam a esse cultivo. Só 7 países produzem 86% do cacau mundial.

Está vendo os países da Europa toda? E os Estados Unidos, Canadá, região sul do Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Austrália? Todos esses países consomem chocolate, mas nenhum deles tem clima adequado para cultivar cacau. 

O Brasil é gigante, todos os outros 6 países produtores até caberiam aqui dentro, mas só produzimos cacau numa parte do país e a gente também não produz tanto assim (só 4% do total mundial). A produção daqui não é suficiente nem para o nosso próprio consumo.

Os dados mostrados aqui são do relatório do International Cocoa Organization ICCO de 2023, com os dados estimados da safra 2022/23. Tem outros relatórios, de outras entidades e com dados um pouco diferentes, mas que não mudam essa realidade. 7 países produzem mais de 80% do cacau que o mundo todo consome.

Para você ter uma ideia, a produção mundial de cacau está dividida assim, naquele relatório:

  • Costa do Marfim: 44%
  • Gana: 13,7%
  • Equador: 8,9%
  • Nigéria: 5,7%
  • Camarões: 5,9%
  • Indonesia: 3,6%
  • Brasil: 4,4%
  • Outros países da Africa, somados: 4,1%
  • Outros países da América, somados: 7,9%
  • Outros países da Ásia e Oceania, somados: 1,8%

Repare que Costa do Marfim (44%) e Gana (13,7%) juntos produzem mais de 57% do cacau mundial. E se somar todos os países africanos, vemos que eles produzem quase 3/4 do cacau que sustenta a indústria chocolateria no mundo. Eles literalmente carregam o mundo do chocolate nas costas.

 

O problema de ter a produção tão concentrada assim em só uma região é que qualquer problema ali, seja climático, econômico ou político, simplesmente desabastece o mercado inteiro. O clima mais seco na África está causando a redução da nova safra e consequentemente os preços estão subindo a níveis nunca vistos antes, chegando ao dobro de um ano atrás.

E tem outro problema: cacau é um fruto de colheita manual e que exige cuidado e força. Cacau cresce grudado no tronco do cacaueiro por um caule grosso. A colheita é facilitada com um objeto cortante, um facão por exemplo. O facão também é usado para abrir as cascas e retirar as sementes de dentro, que é a parte usada na fabricação do chocolate. O processo não é mecanizado, portanto totalmente dependente de mãos humanas. As grandes indústrias sempre pagaram muito pouco pelo cacau.  Os produtores de cacau não tem muita saída e nem poder de decisão. Talvez esse não seja um futuro que os agricultores queiram para seus filhos e pelo qual os jovens irão se interessar. Do jeito que é hoje, não é uma indústria socialmente sustentável. Será que as próximas gerações vão querer cultivar cacau nesse esquema?

Então existe uma limitação climática e uma limitação humana na produção de cacau.

Por outro lado, a demanda só cresce. Países que não consumiam chocolate em quantidade, porque não tinham essa tradição, como os enormes China e Índia, agora têm interesse no doce e o consumo lá está subindo.

Quanto menos cacau disponível e maior interesse nele, mais o preço sobe. É a regra natural de qualquer mercado, oferta x demanda. Consequentemente, o preço do chocolate sobe também.

Eu fiz um vídeo rapidinho no Instagram explicando isso e já passou de 220 mil visualizações, com os mais diversos tipos de comentários. Um tema ali chama muito a atenção e vale a pena citar aqui.

Muita gente acha que os chocolates brasileiros são péssimos, que só tem gorduras vegetais e cacau ruim. Que chocolate bom é só o estrangeiro. Em certo sentido, esses pensamentos são absurdos e não dá para generalizar desse jeito. Sim, os chocolates comuns estão cada vez piores, com menos cacau e ingredientes mais artificiais. Considerando que todo mundo reclama de preço e esse é um mercado super competitivo, não seria diferente. Só dá para competir em preço abaixando a qualidade.

Agora, não é verdade que todo chocolate brasileiro é ruim assim. Isso é fato provado pelo número de prêmios que os chocolates artesanais brasileiros ganharam nos concursos internacionais nos últimos anos. Ou seja, sim, temos chocolates porcaria e, sim, temos também chocolates excelentes, em par de igualdade de qualidade com os melhores do mundo. Então é questão de:

  • saber onde procurar esses chocolates bons.
  • entender que qualidade no chocolate só existe com bons ingredientes.
  • entender que cacau de qualidade dá trabalho para se obter, exige esforço manual e habilidade técnica no pós-colheita, o que tem alto custo.
  • entender que isso não pode ser barato.

Então, vamos ter que aceitar os novos preços, que vão atingir tanto os chocolate bons quanto os chocolates porcaria.

Particularmente, prefiro comprar menor quantidade e escolher chocolates de melhor qualidade e que respeitem o traballho de todos na cadeia produtiva do que me entupir de porcaria. E você?