Desde a última terça-feira (5/9/17), o mundo do chocolate comenta e discute a grande novidade do setor: o Chocolate RUBY, criado pela Barry Callebaut para ser o quarto tipo de chocolate, ao lado do amargo, do ao leite e do branco.

Muito tem se falado e ainda vai se falar sobre isso. Acho que, no momento, o melhor é saber a opinião de quem esteve lá no lançamento na China, ouviu os poucos detalhes divulgados e provou o tal chocolate. Por isso, trago aqui a tradução do artigo do Clay Gordon, especialista do setor, autor do conceituado site  The Chocolate Life (agora em novo endereço) e convidado no evento. Ele gentilmente autorizou esta reprodução.


Ruby Tuesday, Shanghai - at the launch©2017 Clay GordonRuby Tuesday, Shanghai – at the launch©2017 Clay Gordon

E RUBY é o quarto chocolate – Novo sabor e nova cor se unem à Familía Chocolate
por Clay Gordon – The Chocolate Life

No que eventualmente pode vir a ser chamada de “a terça-feira Rubi” (Ruby Tuesday) – 5 de setembro de 2017 – o gigante da indústria do chocolate Barry Callebaut apresentou em Xangai o quarto tipo de chocolate… o chocolate RUBY.

Uma história bem breve

Podemos traçar a invenção do chocolate amargo como o conhecemos hoje – chocolate de comer – à Inglaterra no final da década de 1840. No fim dos anos 1870 veio o lançamento do chocolate ao leite, e o chocolate branco só chegou ao mercado no final dos anos 1930. Estes 3 tipos formam a Trindade do chocolate, assim como o Criollo, o Forasteiro e o Trinitário formam a Trindade do cacau.

O que é Chocolate RUBY

O chocolate RUBY é feito com grãos de cacau Ruby. Estes grãos não são o resultado de experiências de modificações genéticas, nem são uma variedade diferente de cacau em nenhuma forma clássica.

O que são os grãos RUBY então?

Lá em 2004, um pesquisador da Barry Callebaut (BC) percebeu um fenômeno interessante: algumas amostras de cacau, quando processadas de um maneira específica (a BC está tratando esta informação como segredo industrial, assim como a Coca Cola e o KFC protegem suas receitas e fórmulas), se transformam em uma cor vermelha característica e tem um sabor pronunciado de frutas vermelhas. Nada foi feito com esta informação por mais de uma década, quando se transformou no foco da pesquisa para se descobrir o que estava por trás deste fenômeno. O que estava acontecendo quimicamente? Era um acontecimento isolado? Era algo que teria potencial para escala comercial?

Trabalhando com Jacobs University, foi descoberto que era um grupo de compostos precursores no cacau que, quando presentes na proporção correta e em quantidade suficiente poderiam, quando ativados através de um processo especial, consistentemente produzir um produto com estas características de sabor de frutas vermelhas e de cor de rubi. Estes grãos foram então chamados de grãos RUBY.

Pesquisas mais avançadas podem mostrar que estes precursores químicos estão naturalmente presentes em todos os cacaus, apenas não em quantidade suficiente necessária para expressar cor e sabor RUBY. Como um dos padrões de qualidade de cacau é “80% bem fermentados”, o fenômeno não foi notado antes porque ninguém nunca olhou isso de perto – e poucas empresas tem recursos e escala para tirar vantagem deste acontecimento.

Além das técnicas de processamento especiais, BC desenvolveu ferramentas de cadeia de suprimentos para auxiliar na identificação de cacaus candidatos ao redor do mundo. Do ponto de vista de fornecimento, um desafio é juntar estes cacaus, separando-os daqueles que não tem características RUBY. Quando quantidades suficientes de grãos RUBY forem processados (usando técnicas proprietárias) na ausência de grãos sem propriedades RUBY, o chocolate resultante tem um perfil de sabor de frutas vermelhas e uma tonalidade vermelha correspondente ao sabor.

Então é realmente chocolate ? Sério?

Em uma palavra: sim, com certeza. O chocolate RUBY que debutou na Ruby Tuesday atende a todos os critérios para o chocolate ao leite (note que estou checando esta afirmação – é possível que eu tenha ouvido errado e seja mais correto dizer que atende aos critérios do branco) segundo a regra em CFR21.163. Eu não vi a lista de ingredientes pessoalmente, mas uma das chefs cujos trabalhos foram apresentados no lançamento disse que ela viu a lista e confirmou que não havia sabores ou corantes adicionados, ou qualquer outra coisa que não fosse encontrada em chocolates reais.

No futuro, é provável que vejamos versões do chocolate RUBY que estejam conforme os padrões de identificação para chocolates doces, o que cobre o que é comumente chamado  de chocolate amargo – um termo que não é apropriado quando aplicado ao RUBY.

Ok, então qual é o sabor e o aroma do RUBY?

De pouca a nenhuma característica de sabor de cacau que é relacionada com chocolate.

Me pergunto quanto disso é devido à cor. No primeiro momento, o RUBY não parece como qualquer chocolate que você já comeu. Como essa surpresa visual afeta as outras percepções sensoriais?

O snap é como o esperado de um chocolate ao leite bem temperado.

O aroma é fraco, mas distintamente frutado, com nada da doçura que é característica da maioria dos chocolates brancos e muitos chocolates ao leite. Não há baunilha detectável pelo nariz.

Da mesma forma, na língua não há sabor de cacau ou chocolate. Pelo contrário, o sabor é frutado, predominantemente de frutas vermelhas. Imagino o quanto, se alguma, das notas de frutas vermelhas encontradas nos chocolates amargos são derivados dos precursores químicos do RUBY.

A textura é muito parecida com a de um chocolate ao leite fino, indo para o chocolate branco quando se trata de derretimento e sensação na boca, rico e amanteigado.

O final na boca é curto, e isso pode contribuir para o seu apelo – é um chocolate “snackable”  e eu posso ver como vai ser fácil terminar um barra inteira sem nem perceber.

Estes fatores podem levar algumas pessoas a depreciarem o Chocolate RUBY como não sendo “de verdade”, assim como muita gente acha que o chocolate branco não é chocolate.

Ele é realmente chocolate – e eu acredito que o sabor e a cor serão altamente atrativos para muitos, não somente os consumidores mas também chefs confeiteiros.

Do ponto de vista de uso em confeitaria, RUBY funciona exatamente como você esperaria de um chocolate. Você pode moldar e cobrir com ele. Fazer ganaches, caldas, glaçagens, bombons, colorir, usar spray e pulverizar. Ele também pode ser aerado. Eu não vi/provei nenhum produto feito com RUBY e portanto não posso comentar sobre suas aplicações em confeitaria.

Mas é também verdade que sabor e cor podem ser obtidos usando aromatizantes e corantes em chocolate branco. Entretanto, para aqueles que precisam expor sua lista de ingredientes, a BC está confiante que seu público alvo vai procurar preferencialmente um produto “totalmente natural”, e sua pesquisa de mercado indica que os consumidores estão dispostos a pagar um valor premium por um chocolate realmente Rubi.

Quem pode usar RUBY?

Grãos de cacau RUBY não serão disponibilizados pela BC – RUBY estará dsponível apenas no formato de chocolate de cobertura. Então, esta não é uma inovação que será facilmente abraçada pelo pequeno mercado do chocolate artesanal. De fato, eu prevejo que haverá muitos haters que irão rebater o RUBY e tentar dizer que não é chocolate de verdade ou que é falso ou lixo, ou pior – geneticamente modificado. Mas eles estão errados.

Falando na prática, RUBY provavelmente não estará disponível até o começo de 2019. Não por causa de problemas de abastecimento, mas porque ele representa a realidade de apresentar não só um novo produto, mas a criação de uma nova categoria. (Algo que estou bem ciente devido ao meu trabalho com Solbeso.) RUBY pode eventualmente até abrir uma nova categoria nas premiações.

Interessantemente e muito importante, BC não registrou a marca RUBY. Muito pelo contrário – eles a estão generalizando propositalmente. Eles querem que o termo RUBY se torne o próximo Kleenex, Band-Aid ou Xerox; que tome seu lugar como quarto membro do conjunto: amargo, ao leite, branco e RUBY.

Por que ele é importante?

Inovação real em chocolate é difícil de aparecer e RUBY é um exemplo de inovação real, na minha opinião. O projeto identificou uma característica intrínseca do cacau e, através de extensa pesquisa, entendeu como aproveitar esta química para criar uma nova categoria de chocolates.

Há muito trabalho a ser feito para que o produto chegue com sucesso ao mercado. BC não é uma empresa B-to-C (para consumidor direto), e ela tem que confiar nos seus B-to-B (empresas e profissionais clientes) que vão entregar a mensagem ao mercado.

RUBY não será para qualquer um. E tudo bem. Mas, para aqueles que podem pensar fora da caixa, RUBY representa uma oportunidade em uma geração (se não for em uma vida).

Link para post original do Clay Gordon no The Chocolate Life.

 

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