Venho estudando sobre qualidade de chocolate há algum tempo (e provando na prática também !). Meu primeiro post sobre o que é chocolate de qualidade foi em 2014 quando comecei o blog e ainda se usava o termo chocolate gourmet. Já fui radical, exigi tanta qualidade que quase não conseguia encontrar produto para comprar. Com o tempo, percebi que esse não é o caminho certo e fui procurando outras respostas para mim e também para outros consumidores, entendendo o que eles procuram e conversando com profissionais do chocolate para entender melhor o que significa a qualidade para eles. Aqui estão minhas conclusões.
O que é qualidade
O termo “qualidade” pode ser definido como:
- O padrão de algo que pode ser medido em comparação com outros itens do mesmo tipo.
- O grau de excelência de algo.
- Um atributo ou característica distinta que alguém ou algo possui.
Aqui vai uma opinião bem pessoal, considerando que quase tudo nessa vida é baseado em comparações, quase tudo é relativo. (Por exemplo, um minuto é muito ou é pouco tempo? Depende. Na fila do banheiro é muito, comendo chocolate é pouco.)
Acredito que qualidade de chocolate pode ser dividida em duas categorias:
- Qualidade direta ou absoluta (ou intrínseca)
- Qualidade indireta ou relativa (ou extrínseca)
Qualidade direta (ou qualidade absoluta) de chocolates*
A qualidade absoluta do chocolate só depende do produto em si e só leva em conta os nossos 5 sentidos na hora de comer/degustar. É essa qualidade que é testada nas competições e a que podemos considerar “oficial”.
- Depois que postei, descobri que o nome certo é Qualidade intrínseca.
Chocolate de qualidade, em termos absolutos, tem:
- Excelente aparência: cor, brilho, sem defeitos como manchas ou bolhas, é aquele que você olha e dá vontade de comer;
- Excelente snap: temperagem perfeita que faz o chocolate fazer barulho ao quebrar e garante que a estrutura interna do chocolate vai estar perfeita para o melhor derretimento;
- Excelente aroma: agradável e convidativo, daqueles que você sente imediatamente ao abrir a embalagem;
- Excelentes sensações na boca: sabor (agradável e com complexidade), textura fina e macia, bom derretimento uniforme, sem off-flavors (defeitos de sabor), sem excessos de amargor, acidez, adstringência e dulçor , e que todos esses fatores resultem em harmonia, dando prazer na boca.
- Excelente final na boca: sem resíduos sólidos ou gordurosos, mas com sabor que persiste um bom tempo.
Quanto mais desses itens forem atingidos com excelência, mais qualidade o chocolate tem.
O problema é que a avaliação dessas características depende de “aparelhos de aferição” não padronizados: nossos olhos, narizes, ouvidos, bocas e cérebros (que é onde todas essas informações são processadas, memorizadas e comparadas e depois devolvidas em forma de veredito). Então, duas pessoas podem avaliar o mesmo chocolate de forma bem diferente. E quanto mais a gente prova conscientemente chocolates diferentes, mais a gente vai percebendo as suas nuances e vai aprimorando a avaliação, ou seja, os aparelhos de aferição também vão mudando!
A qualidade absoluta está diretamente ligada ao chocolate ter sido feito com bons ingredientes por um profissional experiente. Quanto melhores os ingredientes e o profissional, melhor a qualidade. Não importa necessariamente se o chocolate é de origem, é bean to bar, é industrial ou é varietal (feito com cacau de uma única variedade). Todos esses tipos podem ter qualidade ou não, depende dos ingredientes (todos, não só do cacau) e do profissional que faz o produto. Eu poderia dizer que também depende dos equipamentos usados na produção, mas considero que isso é escolha do profissional.
A gente costuma falar que dá para ter uma ideia da qualidade de um chocolate pela lista de ingredientes dele. Isso tem tudo a ver com os atributos acima, da seguinte forma:
- Quando o açúcar está no início da lista de ingredientes, passa alta sensação de dulçor, que em excesso é considerado defeito.
- Quando o cacau está no início da lista de ingredientes, o sabor do cacau é mais intenso, o que costuma ser considerado bom.
- Quando tem gordura substituta da manteiga de cacau, o derretimento é prejudicado (porque as substitutas não derretem na temperatura do corpo humano) e fica um resíduo gorduroso na boca no final.
- Quando são usados aromatizantes, eles podem modificar o sabor de um bom cacau, mascarando a sua complexidade (o que seria ruim) ou podem corrigir o sabor um cacau ruim (o que seria bom).
- Quando sofre mudanças bruscas de temperatura, porque perde a temperagem, perde o snap, prejudica o derretimento e pode apresentar manchas.
Veja aqui como escolher um bom chocolate pela lista de ingredientes.
Qualidade indireta (ou qualidade relativa) de chocolates**
No conceito relativo, a qualidade do chocolate depende do produto em si, da sua função e do seu conceito, ou seja, considera também para que o produto é usado e fatores como embalagem, sustentabilidade, ética, responsabilidade social, storytelling, relacionamento (entre produtor de cacau com fabricante do chocolate com consumidor), etc. Tudo que faz parte do “pacote” que é percebido pelo consumidor como qualidade e é relativa para aquele consumidor.
A qualidade relativa precisa ser levada em consideração porque não consumimos simplesmente produtos, mas produtos que refletem nossos estilos de vida ou que servem para cumprir uma função. Por exemplo, para um vegano o chocolate ao leite é percebido como de menor qualidade que um chocolate intenso (porque no estilo de vida dele não entra leite animal). Para um fã de bean to bar como eu, chocolate com aromatizante tem menos qualidade, mas para um chocolatier que precisa de um chocolate padronizado (que sempre funcione da mesma forma na receita), o aromatizante é fundamental. E tudo bem ! Não teria sentido fazer o chocolatier passar um sufoco danado usando chocolate bean to bar que tem variação de sabor conforme o lote ou a safra, se o que ele precisa é ter consistência de resultados.
- Depois que postei, descobri que o nome certo é Qualidade extrínseca.
Atributos que podem influenciar a qualidade indireta de um chocolate (ou a percepção dela!)
- Apresentação (design, embalagem, loja, site e tudo que entra em contato com o consumidor antes dele de fato chegar ao produto em si): Tudo isso faz parte da experiência de consumo, não há como evitar.
- Função: para o que aquele chocolate serve. É para alimentar e ser fonte de energia (por exemplo uma barrinha após a corrida) ou é para usar em uma receita? É para consumo próprio ou para presentear ? Para comer ou degustar? Para despertar sentimentos de amor ou para agradar o chefe? Existem chocolates para diversas finalidades e as características de qualidade para eles podem ser diferentes.
- Conceito: considera os valores por trás da marca, não necessariamente do produto. Valores como a preocupação com a sustentabilidade ambiental, a justiça social (em valorizar todos os elos da cadeia produtiva, não ter trabalho infantil no cultivo do cacau), a confiabilidade (o quanto o produto sempre atende ao que se propõe), o uso de ingredientes naturais, etc. É aqui que passam a ser considerados as características de bean to bar, tree to bar, chocolate de origem e indicação geográfica de origem.
- Necessidades especiais: são atributos para atender às necessidades específicas de alguns grupos de consumidores, como por exemplo os alérgicos, intolerantes e veganos. Os produtos que atendem esses consumidores podem ser percebidos como de maior qualidade mesmo pelos consumidores que não tem essas necessidades.
Qualidade para que? Comparado com o que?
Acredito que a maioria dos leitores aqui é adulto e viveu boa parte da vida no Brasil. São grandes chances de ter passado toda a infância e juventude consumindo chocolate comum, cheio de açúcar, gordura hidrogenada e aromatizantes (porque era o que tínhamos disponível!) e achando que os melhores chocolates eram os belgas e suíços. Em algum momento, talvez no passado recente ou mesmo agora lendo esse post, percebeu que poderia consumir chocolates com melhor qualidade.
A boa notícia é que hoje existem no mercado muitos chocolates com melhor qualidade que antigamente, em todos os sentidos (e, sim, existem muito piores também!).
Na hora de escolher, a dica é se perguntar para que você quer o chocolate.
- Você quer uma guloseima? Então qualidade não é tão importante.
- Você quer um alimento, uma fonte de energia e nutrientes? Então o atributo mais importante está nos ingredientes.
- Você quer um chocolate para usar como ingrediente em uma receita? Então talvez atributos como fluidez, brilho e consistência de sabor sejam os mais importantes (e sim, pode ter aromatizante).
- Você quer uma experiência sensorial? Então apresentação e atributos de qualidade absoluta são os mais importantes.
- Você quer um gatilho para memórias emocionais? Chocolate é um dos alimentos que mais tem essa função, ele tem um simbolismo de amor, carinho, paixão e está presente em muitos momentos importantes da vida da gente. Por isso ele evoca boas memórias e serve de conforto em horas difíceis. Então, o atributo mais importante para esse caso é a aparência, pois ela é a primeira a acionar esses gatilhos. (Um exemplo prático disso, tenho um amigo que ama um chocolate tradicional de uma marca famosa, ele costumava ganhá-lo da mãe. A marca trocou a receita, mas não o formato nem a embalagem. Para ele, nada mudou, continua amando. Eu e a família dele percebemos a mudança drástica no sabor. Para ele, aquele chocolate inconscientemente aciona o gatilho e nada mais importa. E eu acho que a gente não tem que provar o contrário para ele.)
A qualidade absoluta é um fator importante, não adianta o chocolate ter todas as qualidades relativas e não ter o principal que é dar prazer na hora de comer. Comparando com os chocolates que comemos no passado, só de escolher chocolates sem gorduras vegetais já estamos escolhendo melhor qualidade. No entanto, a qualidade relativa com certeza também pode pesar bastante, mas aí o conceito de qualidade passa a ser uma escolha bem individual, relativa para cada pessoa.
Chocolate de qualidade para mim
Para escolher chocolates para meu consumo, dessa lista acima, só me importam a experiência sensorial e o propósito. Não cozinho, então ele não me serve de ingrediente, guloseima nem pensar e vou comer chocolate independente dele ter ou não os tais nutrientes (mas se tiver, melhor, claro). Daí eu tiro o que é importante para mim em termos de qualidade. Quando vou dar chocolate de presente, tento avaliar quais os parâmetros de qualidade do presenteado, aí posso ir para outro lado. Repare que o que eu considero qualidade pode ser absolutamente diferente do que é considerado por um nutricionista ou um confeiteiro. E tudo bem!!!! Somos seres diferentes, não precisamos pensar igual!
Como eu já disse no post Os melhores chocolates para mim podem não ser os melhores para você!, não deixe ninguém dizer o que é melhor para você! Informe-se e faça sua escolha!
E aí? O que é um chocolate de qualidade para você? Conta aí nos comentários!
Gostei muito do Chocolate Santa Tereza!