Sempre que assisto a uma palestra ou converso com a Maria Fernanda Di Giacobbe fico encantada. A paixão que ela tem pelo cacau e pelo chocolate e a sua dedicação ao lado humano do cultivo do fruto e a produção do nosso doce preferido são impressionantes e contagiantes. Gostei tanto deste vídeo de uma apresentação que ela fez no TED onde conta a história do cacau que acho legal compartilhar com vocês.

Para quem não sabe, Maria Fernanda é chef, empreendedora, chocolate maker, chocolatier, fundadora da chocolateria venezuelana Kakao, da Cacao de Origen, um espaço de encontro para investigação, educação e promoção do cacau e do chocolate venezuelano e da Rio Cacao que é focada no ensino do chocolate bean to bar. Ela é uma importante figura no cenário mundial do chocolate e do cacau e vencedora de vários prêmios na área de gastronomia.

Quem já assistiu ao meu vídeo sobre chocolates de origem, viu que sou fã do cacau da Venezuela. As barras que provei com cacau de Chuao são simplesmente maravilhosas.

Bom, para quem como eu não entende o espanhol, segue abaixo a transcrição do vídeo em português. Tradução de Fernanda Martin.


Tradução do vídeo

Boa tarde. Identidade.
Na minha casa, esta manhã, me perguntaram: “Do que você vai falar”? E eu disse: identidade.
E Maluja disse: “E o que você sabe de identidade”?
Sei de cacau venezuelano.
O mapa da Venezuela, como vocês veem nessa foto e como veem dentro deus corações é assim por causa do cacau. A forma que tem, pelas rotas de saída do cacau, quando em 1607 saiu o primeiro navio carregado com essa semente. Esse mapa mudou e no mundo inteiro não se falou mais de Venezuela. Se falava de Maracaibo, Sur Del Lago, Puerto Cabello, Carenelo, Cumaná, Carúpano, Rio Caribe.
E quando vocês forem à Alemanha, irão visitar uma chocolateria que se chama Puerto Cabello.
E quando forem ao Japão, irão a uma chocolateria que se chama Carenelo.
Porque era assim que vinham os sacos marcados dessa rota de saída do cacau.
Esse mapa mudou completamente porque – vamos ver se digo bem –  desde Zulia até Paria, incluindo Margarita. E desde Caracas até Amazonas, Venezuela está vendida por uma cruz de cacau. Não existe um só pedaço deste território que não esteja abençoado pelo cacau. Isso faz com que temos a diversidade mais fantástica do planeta.
Se o cacau de Venezuela é o melhor do mundo? Não, são milhares de cacaus de Venezuela  que foram por 400 anos os melhores do mundo. E que nos provoca agora voltar a colocá-lo em todas as lojas de bombons, em todas as lojas de chocolate porque hoje em dia parece um mito o cacau de Venezuela.
Tem gente que diz que não existe porque não chega pelas alfândegas convencionais. Outros dizem que é impagável. Existem outros que dizem que é da Colômbia. Existem outros que dizem que é do Peru como os pequeños e as arepas. Então quando falamos de identidade eu lhes poderia dizer que em Venezuela, somos cacau.
(3:00) Se lembram do mapa. O que temos do lado direito de mim e esquerdo de vocês? Estou bem assim? Zulia e toda a região ocidental. Falamos de Zulia, de Mérida, de Táchira, de Trujillo e lá nasceram os cacaus Criollos. 
O que quer dizer cacau Criollo? Os cacaus, que como os filhos dos espanhóis conquistadores nasceram nessa terra. Tudo que tinha nascido aqui era Criollo. Os demais, os mucios e jill eram os forasteiros. Então, em toda essa parte ocidental os cacaus são de semente branca. 
Os forasteiros que sim, compartilhamos com outros países, com Colômbia – podemos ver o mapa completo: Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Brasil, são cacaus de semente escura: Forasteiro, mucio, os que não nasceram aqui, os estrangeiros. Esses cacaus se unem no Delta de Orinoco e tiram de nós o melhor. Aqui temos os cacaus venezuelanos. Todas as formas, todas as cores, todos os bonitos, todos os feios juntos. Quando você vai a uma plantação de cacau venezuelano, é como eu estou vendo daqui: brancos, morenos, pretinhos, vermelhos, azuis, rosados, esses somos nós por causa do cacau. Então vamos recordar: cacau: indígena. Febres Cordero nos disse que nossos indígenas tomavam chorote.
(4:54) Quem é mexicano aqui? Não inventaram nem o chocolate nem nasceu no México. Nasceu em Venezuela a primeira planta de cacau. Na Sierra de Perija. Cacau Guasare. Esse cacau que está aí assim enrugadinho. Em meu colégio, em meu cacau de origem, chamam as professoras de Guasare.
Esses cacaus Criollos que ficaram famosos no mundo, têm nariz, como vocês veem aí. Têm pescoço, como veem acima. Geralmente são amarelos, verdes, e tem alguns que têm um véu branco que lembra a porcelana chinesa. Porque é assim, translúcido, e por isso puseram, aos cacaus do sul Del Lago Maracaibo, porcelana.
Assim que se você vir um cacau porcelana de Piura ou de Soconusco, levante a mão e diga: os pequenos são de Los Teques e os de porcelana são de Venezuela.Esses cacaus brancos não são mucílagos sem a sua semente, olhem que beleza. Porque são brancos, por que não têm tanino. E por não terem tanino, não são amargos. Então ficaram conhecidos na história como os cacaus doces de Venezuela, de Caracas, de Puerto Cabello, de Canoabo, de Choroami, de Chuao, Agua comboio, sebe, todas as praias de Aragua.
Esses cacaus se vendiam mais caros porque não necessitavam de açúcar para serem saborosos. E os papas, os cardeais e as freiras, viciados em algumas coisas, mas sempre em chocolate, diziam que não se quebrava o jejum se tomassem chocolate sem açúcar. Nesse momento, Venezuela aumentou os preços até hoje e não existe, todavia, em 2008, um cacau que se preze mais que o cacau de Chuao.
(7:12) Todas essas características, se falarmos de organização, poderíamos dizer que têm sabores doces, nobres, elegantes. E a quem se descreve? Aos Venezuelanos: doces, nobres, elegantes, boas moças, bons moços, honestos e inapagáveis na memória coletiva. De um venezuelano ninguém se esquece, como o cacau Criollo. 
Do outro lado, aqueles Forasteiros que também nos pertencem, dizem que são amargos, que eram muito gordos, mas muito robustos, que não serviam senão só para indústrias porque davam bom licor, boa manteiga e bom pó de cacau. Esses cacaus colocavam dez por cento nos chocolates do mundo e davam todos os aromas que se podia esperar.
Qual é a receita de Toddy? Por que o Toddy é mais gostoso em Venezuela? Porque leva, em porcentagem secreta, um pouquinho de Sur del Lago, mais de Carenero e um toque de Rio Caribe. Em nenhuma outra parte do mundo existem três tipos de cacaus tão diferentes para fazer esse pó. Então, esses cacaus, bastaria por fazer em cada povoado, por cada rio, por cada praia, um tablete de chocolate, para entender o tamanho da biodiversidade de cacau que existe na Venezuela. 
Esses cacaus têm suas sementes cheias de taninos. São muito fortes, muito aromáticos, mas como os venezuelanos, se apaixonaram, Criollo e Forasteiro, e deram um terceiro cacau. Como se chama esse terceiro cacau? Vale que eu pergunte? Como?
Não, esse é o primeiro, o mais gostoso.
Não.
(9:30) Trinitário. 
Mas parte de nossa identidade, que esses cacaus se conheceram no delta do Orinoco, os Criollos percorreram os mapas por toda a Venezuela, chegaram ao Peru, por toda a Cordilheira dos Andes, chegaram ao Mexico por toda a America Central e os forasteiros chegaram ao delta pelo Orinoco. Então o verdadeiro nome para esses cacaus de tano: opariano. Mas os levaram para a ilha de Trinidad e ninguém de nós saiu para dizer: epa! Esse cacau é nosso.
Ficou como Trinitário. Mas esse cacau é tão bonito como qualquer venezuelano. Um é todo de uma mamãe branca, com tudo de um pai negro. Soa alguma coisa? Então temos indígenas que comercializavam com cacau, espanhóis que descobriram arvorezinhas nos vales de cacau, mas claro que se casaram com os indígenas, e como não era suficiente todo o cacau que saía desse território para os mercados europeus, trouxeram a mão de obra Canária. Por isso muitos de nós temos tataravós Canários e olhos puxados. Mas tampouco foi suficiente, trouxeram escravos da Africa.
(10:57) Então vocês podem imaginar essas plantações de cacau de Venezuela, cheia de todas as cores, com gente, que foi a primeira identidade global do planeta. Se tínhamos identidade ou não tínhamos? Tínhamos todas, como nossa mesa, que somam ingredientes de todos os continentes para fazer um prato venezuelano. Como nossa música, que somam todos os ritmos: indígenas, africanos, espanhóis.
Quando nós comemos um chocolate elaborado com cacau de Chuao, soam as maracas indígenas, soam os tambores régios da Africa e cantam os anjos nas igrejas católicas.Isso é o que faz, que o chocolate venezuelano seja complexo. Alvaro Gomez diria: uma maraca de cacau venezuelano leva dentro nosso DNA. O que nós somos cacau.
E sobre um fundo suave de chocolate existe musgo, tem brisa marinha, tem brisa da montanha, orvalho da manhã, tem nozes, tem frutas, tem navios e existem cacaus com gosto de oriente, a tudo que tem gosto de Paira: madeira, tabaco, café, selva, praia, montanha. Outros têm gosto de todas as nozes. Outros, se vocês pensarem em Barlovento: manga, goiaba, parchita, então podemos dizer outra vez: nós venezuelanos somos complexos como o cacau. E aqui não fica nem um só cretino.
Fermentação? Venezuela. Primeiro país que fermentou cacau. Dizem os livros antigos que em Venezuela colocavam o cacau embaixo da terra para protegê-lo do mofo. Se tirava e passava pelo suco de laranja Carrera, para que aguentasse a viagem dos navios. Imaginem todo o mundo cheio de sementes de cacau. Não veem como a história se repete? Todo o mundo orbita cheios de venezuelanos mudando o planeta.
Queríamos mudar o país? Sim. Agora vamos mudar o mundo.
É um momento maravilhoso. É um momento cheio de criatividade. É um momento em que a luta é trabalhar. E como me sobra pouquinho tempo, vou passar um vídeo.
E vou deixar vocês com essa imagem, a igreja de Chuao, que a conhecem em todos os lugares do mundo.
Obrigada.

 


Cacau do Brasil

Se vocês sabem de alguém com essa paixão que fale do cacau brasileiro, conta para a gente aí nos comentários! Queremos ouvir também a história do nosso cacau.