Muitas matérias tem saído na tv e na internet sobre chocolates bean to bar, pois é mesmo uma tendência e uma revolução. O Brasil vai se destacar no mundo com esse tipo de chocolate, já que temos produção de cacau e um povo empreendedor e criativo. No entanto, algumas dessas matérias misturam dois conceitos diferentes, chamando tudo de bean to bar. Queria esclarecer isso para quem ficou na dúvida, pois já vi casos em que foi falado somente de chocolates bean to bar mas foram citadas marcas de chocolates de origem que não são bean to bar.

Na foto acima, os quatro chocolates da esquerda se apresentam como chocolates bean to bar e os da direita como chocolate de origem. Até onde eu sei, todos são tanto bean to bar quanto de origem.

O que é chocolate Bean to Bar

Não existe uma definição oficial de bean to bar e por isso o mercado a usa como quer. Eu expliquei isso com detalhes no post Chocolate bean to bar é…, onde eu basicamente contei que tem uma versão simplista dessa definição e outra mais purista (e muito mais interessante), além de várias interpretações intermediárias. Um ponto comum em todas as interpretações dessa definição é que bean to bar é o chocolate feito “from bean to bar”, desde os grãos (ou amêndoas) de cacau até a barra do chocolate pela mesma empresa, ou seja, todo o processo é feito e controlado por quem compra/tem os grãos e vende as barras.

Acontece que existem empresas que compram os grãos de cacau, terceirizam a produção e vendem as barras de chocolate, achando que são bean to bar. Desculpe, não são!

Fazer chocolate a partir do cacau é fácil. Fazer chocolate realmente bom a partir do cacau é muito difícil.  Envolve conhecimento e habilidade em várias etapas do processo. O mérito está em fazer bem, não em contratar alguém para isso!

chocolates tree to bar Baiani e Mestiço

Chocolates tree to bar Mestiço e Baiani, ambos produzidos em São Paulo com cacau das respectivas fazendas deles na Bahia.

O mesmo vale para os “tree to bar”, que é quem tem a fazenda de cacau e usa seus grãos para fazer o próprio chocolate. Se ele tem os grãos mas não faz o chocolate, ou seja, terceiriza a produção das barras, não é tree to bar. Nem bean to bar. O que ele “faz” é um chocolate de origem, que também tem seu mérito, mas é outro.

O que é chocolate de origem

Chocolate de origem não tem a ver com a origem do chocolate ou onde ele foi produzido, mas com a origem do cacau usado naquele chocolate, o lugar onde ele foi plantado.

Assim como as uvas dos vinhos, o cacau tem terroir. Isso significa que os frutos vão ter nuances de sabor diferentes dependendo de onde foram plantados, devido às características específicas de solo, clima e vegetação presente naquela região. Por isso vinhos feitos com uvas de determinadas regiões são diferentes, e eventualmente mais caros, que de outras origens. Com o chocolate é igual, mas o mercado ainda não assimilou essa semelhança porque chocolates de origem ainda são uma novidade. A maioria dos chocolates que nos acostumamos a consumir ao longo da vida são industrializados e feitos em grande escala com cacau de diversas origens (e também qualidades e variedades genéticas), tudo misturado, fazendo com que não tenham uma característica de sabor mais definida e, muitas vezes sendo necessário o uso de aromatizantes para melhorar o sabor.

Chocolate de origem é feito com cacau de uma única região, que tem terroir específico e que confere aos grãos uma determinada característica de sabor que, por sua vez, influencia no resultado final do chocolate. Então uma fazenda é uma origem de cacau, uma cooperativa que junta cacau de fazendas vizinhas também é uma  origem, porque compartilha o mesmo clima e tipo de solo. Um estado pode ser uma origem. Um país grande como o Brasil, onde existem diferenças significativas de solo e clima entre as regiões, eu não considero como origem única se o chocolate for feito com cacau misturado de regiões distantes.

 

Infográfico chocolate bean to bar x chocolate de origem

 

Chocolates bean to bar e de origem geralmente andam juntos, ou seja, uma barra pode ser as duas coisas e, no caso dos artesanais, geralmente é. Mas vale ressaltar que  nem todo bean to bar é de origem e nem todo chocolate de origem é bean to bar!

Exemplos:

  • Uma marca compra os grãos de cacau de uma fazenda, faz a torra, o descasque, a moagem, a conchagem, a maturação, a temperagem e a moldagem das barras. Esse chocolate é de origem e é bean to bar. Se for artesanal, feito com ingredientes puros e de forma sustentável, com foco no sabor do cacau (ou seja, mais cacau, menos açúcar, sem aromatizante e gordura vegetal), ganha minha admiração e meu dinheiro porque provavelmente vou comprá-lo.
  • Produtores de cacau que têm marca própria de chocolate, usando seus grãos nesses produtos mas não têm fábrica, vendem chocolates de origem mas que não são nem bean to bar nem tree to bar, afinal de contas eles não controlam a produção.
  • Indústrias gigantes que compram grãos de cacau em toneladas, de diversas regiões, misturam tudo para fazer seus chocolates, eventualmente até poderiam ser chamados de bean to bar (somente no sentido mais simplista da definição,  o que para mim não significa grande coisa !!!) mas não são de origem.
  • Se eu pegar um chocolate de origem, derreter, fizer a temperagem e moldagem para uma nova barra, ela vai ser de origem, porque o cacau continua vindo de um único lugar,. Mas ele não vai ser bean to bar porque eu não comecei a produção a partir dos grãos de cacau.

Mas qual a importância para o consumidor de entender a diferença entre bean to bar e origem?

Transparência!!!! Só. Passamos anos e anos sem saber o que consumimos, como os alimentos são feitos, com que ingredientes e quem os fez. Hoje não é mais assim. Nós, consumidores, queremos fazer compras conscientes. Além do mais, querendo ou não, somos impactados pelo storytelling, a história por trás do produto e da marca, e queremos a verdade. Transparência também é importante para que a gente possa entender o valor de um produto, seja ele caro ou barato.

Em termos de sabor, sensação do chocolate na boca ou qualidade, ser bean to bar ou de origem não garante nada. Para um chocolate ser bom na boca precisa ser feito com bons ingredientes por uma pessoa experiente, que saiba fazê-lo bem. É muito fácil errar na seleção de um bom cacau, na torra dele ou nas demais etapas da produção. Qualquer um pode fazer chocolate bean to bar e chocolate de origem, mas fazer chocolates maravilhosos, não são todos. Para identificar os melhores para o seu paladar, só provando!

O bom é que estamos num país produtor de cacau, que tem um povo super criativo e competente para produzir chocolates maravilhosos e a produção desses chocolates está apenas começando. Sorte nossa!

Qual é melhor: bean to bar ou origem?

Reparou que os conceitos são diferentes? Então não tem como dizer que um é melhor que o outro. Na prática, já provei chocolates maravilhosos nas duas categorias. E horrorosos também ! Qualidade depende de bons ingredientes e experiência profissional, não importa se é bean to bar, chocolate de origem, ambos ou nenhum dos dois.

Como identificar se o chocolate é bean to bar ou de origem

Para chocolate de origem é fácil. Existe na embalagem a indicação da fazenda ou região específica de onde vem o cacau ? Então deve ser chocolate de origem. Considere que essa região deve ter clima e solo mais ou menos uniforme, então origens gigantes como Brasil são questionáveis se não houver uma especificação. Alguns chocolates estrangeiros de origem e bean to bar artesanais feitos com cacau brasileiro indicam origem “Brasil” e também a fazenda (que é a região específica).

Normalmente as marcas escolhem apenas um dos termos para apresentar ao público. Nesse exemplo abaixo, ambas as barras são bean to bar e de origem, mas uma se apresenta como de origem e a outra como bean to bar. Aliás, como todas as outras deste post.

chocolates bean to bar e de origem Chocolat du Jour e Nugali

Chocolates que são tanto bean to bar quanto de origem: Nugali (só diz “cacau de origem única”) e Chocolat du Jour (só diz bean to bar, mas indica a origem Bahia).

Já para chocolate bean to bar não tem muita regra e não é assim óbvio. É mais uma questão de reparar nos ingredientes e nas outras informações que a embalagem dá. Podem aparecer, além de “bean to bar”, termos como “do cacau ao chocolate”, “do grão à barra”,  “da amêndoa à barra” ou equivalentes. Muitos explicam seu processo de produção na embalagem, dentro ou fora. Geralmente consultar o site da empresa ou suas redes sociais ajuda para entender a filosofia da empresa.

Conclusão

Pode parecer que chocolate bean to bar e chocolate de origem são a mesma coisa, mas não são. Isso tem mais importância mesmo para quem procura o consumo consciente de seus alimentos e, claro, para os choconerds (como eu!), mas acho que todos os amantes dos chocolates merecem o conhecimento do assunto e a transparência das marcas.

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